A Semana de Design de Milão de 2024 aconteceu em abril, e nós, do Architecture Hunter, tivemos a oportunidade de visitá-la. Para quem não está familiarizado com o evento, a MDW (Milano Design Week) é o principal momento do ano em que marcas do segmento de design, de todas as partes do mundo, apresentam suas novidades. O evento começou há várias décadas com o Salone del Mobile, uma feira dedicada ao setor moveleiro. Com o tempo, algumas marcas passaram a promover eventos em seus próprios showrooms e flagship stores na cidade, conhecidos como Eventos FuoriSaloni. Com a crescente popularidade da MDW, Milão passou atrair cada vez mais pessoas, e instalações artísticas começaram a surgir pela cidade. Assim, essa semana se transformou não apenas em um evento comercial para lançamentos, mas também em um momento cultural significativo.
Seria um tanto arrogante da minha parte apresentar “as tendências absolutas do Design vistas em Milão”, visto que esse é um evento global, com profissionais e marcas de todas as partes e culturas diferentes do mundo. Estima-se que neste ano ocorreram mais de 1000 eventos paralelos ao Salone del Mobile. Portanto, não existe uma única MDW, nem uma única tendência. Não gosto de ditar regras ou afirmar o que vemos como se fosse “a única coisa que está acontecendo no planeta”. Há uma frase que diz: “é fácil notar um carro amarelo quando você só pensa em carros amarelos”.
Se eu te perguntar quantos táxis cruzaram seu caminho na última vez que você andou de carro, você provavelmente não saberá dizer o número exato.
Mas se eu te oferecer R$1.000 a cada táxi que avistar no seu próximo trajeto, ao final você saberá exatamente quantos foram. As tendências são plurais e, ao mesmo tempo, particulares. São um padrão que começamos a observar a partir do momento que as notamos com mais frequência.
A percepção dessas tendências está carregada de nossas próprias influências e do que nos chama a atenção. Dito isso, podemos apresentar certos
padrões que foram observados pelo nosso time editorial, e que estão de acordo com linha de curadoria particular do Architecture Hunter. Antes de compartilhar nossas novas percepções, é importante destacar padrões que temos observado desde as últimas edições da MDW pós pandemia, e que continuam a se fortalecer. Isso indica que, além de perdurar por mais edições, essas tendências já fazem parte do cotidiano das pessoas. Duas dessas tendências são a forte organicidade e as paletas terrosas – que, analisando bem, talvez sejam extensões uma da outra. O interessante é que essa tendência vai além do design. Vivemos uma era em que o natural está sendo resgatado de todas as formas: na alimentação orgânica, na materialidade da moda, entre outros. Após uma grande onda de industrialização e um sentimento de superficialidade, faz sentido que o comportamento humano busque o oposto, procurando algo mais autêntico e humano. Na arquitetura, design de interiores e de produtos, vemos formas curvilíneas, amorfas e imprevisíveis, carregadas de “imperfeições”, frequentemente combinadas com texturas naturais e tons terrosos.
Uma nova tendência que percebemos, e que parece ser uma continuidade das duas anteriores, é a presença do marrom escuro.
Especificamente, notamos a substituição do preto por essa cor. Em muitos momentos e lugares, o que à distância parecia ser preto (cor que tanto nos agrada e tão frequente em outras edições da MDW), ao nos aproximarmos, revelava-se um tom bem forte de marrom. Isso faz sentido, parecendo quase um movimento de “aterroar” (licença poética para a criação desse termo) a cor preta. Em termos de
cores, observamos dois padrões: o azul e o verde
quase se tornaram cores neutras nas paletas, enquanto cores mais vibrantes eram mais pontuais, geralmente em uma única peça, muitas vezes em variações de amarelo e laranja. Houve inúmeros lançamentos de marcas de diferentes segmentos, desde móveis até acabamentos e revestimentos, que optaram pelo azul e pelo verde. Parece quase como se a paleta terrosa estivesse sendo complementada pelo céu e pela vegetação. Um material que, à primeira vista, parece ser o oposto de tudo o que citamos até agora e que foi extremamente frequente na MDW é o inox, ou acabamentos cromados semelhantes. Sua presença estava em diversas formas: revestimentos de paredes, mobiliários, detalhes em produtos e combinações com outros materiais, até peças inteiramente feitas de inox. O que nos chamou a atenção foi que esse elemento não estava presente apenas de forma solitária ou combinado com cores esperadas, como branco e cinza, que complementam seu aspecto mais “futurista”. Ele apareceu em sintonia com a organicidade, criando uma combinação surpreendentemente harmoniosa. Mas para nós, isso também fez muito sentido. Parece natural que, após uma forte busca pela organicidade, esse comportamento quase tenha sido uma espécie de negação ao mundo excessivamente tecnológico. No entanto, negar uma realidade também não parece ser natural. Parece ser conflitante. Portanto, o encontro entre a estética orgânica e “futurista” está muito alinhado com a imagem que se constrói do ser humano dos anos 2020.
No design, nós tomamos a liberdade de
apelidar esse encontro de “hi-lo” (high-low ou alto-baixo), um termo emprestado da moda. Nessa esfera, a tendência busca combinar opostos, elementos que geralmente não estariam juntos. Por exemplo, um blazer, normalmente associado à formalidade, em um estilo oversized (roupas desenhadas para serem maiores e mais largas do que o ajuste padrão), combinado com leggings e tênis de corrida. Para concluir o panorama das tendências em design do morar e habitar, há um padrão que tem sido observado com frequência nas últimas edições da MDW. Não se trata de materiais, estilos de design ou algo assim. Na verdade, estamos nos referindo a algo muito específico dos eventos da MDW, mas que merece destaque pois pode fornecer insights sobre o comportamento humano. É bastante evidente que, independentemente da origem e cultura da marca que expõe em Milão, há uma grande quantidade de experiências pela cidade onde a apresentação do produto fica em segundo plano. Mas o que exatamente isso significa? Para nós, uma das experiências mais surpreendentes foi a exposição da Gaggenau, uma marca alemã de eletrodomésticos de luxo, que ocorreu na histórica residência Villa Necchi Campiglio, datada de 1935. Ao chegarmos ao espaço com o objetivo de conhecer seus novos lançamentos, nos deparamos com um espetáculo de ballet contemporâneo, cativante e emocionante. Ficamos verdadeiramente tocados e só depois da performance pudemos explorar os produtos, mas mesmo assim, em grupos pequenos e com restrições quanto à fotografia em muitos ambientes.
No próprio Salone del Mobile, é raro encontrar estandes que não sejam exclusivamente voltados para a exposição de produtos, o que não é necessariamente um problema. No entanto, a
japonesa Draft About Draft surpreendeu este ano com uma instalação completamente artística e interativa, que não estava diretamente e obviamente relacionada aos seus lançamentos de mobiliário. Para nós, isso significa que a experiência da pessoa com a marca é muito mais impactante do que simplesmente apresentar um produto com intenções unicamente comerciais. Em uma semana como a MDW, onde literalmente ocorrem mais de 1.000 eventos, como competir pela atenção e criar algo que fique marcado na memória dos visitantes? Como não ser apenas “mais uma cadeira”, “mais um sofá” ou “mais um revestimento”? Para nós, fica claro que o envolvimento emocional criado por uma marca provavelmente tem muito mais chances. E isso não se aplica apenas à Milano Design Week.